TEXTO: Luiz Mors Cabral | FOTOS: Shutterstock
Assim como os mamíferos, algumas plantas são capazes de gerar calor próprio e até derreter neve.
Entenda o fenômeno
Entre fevereiro e maio, quando a neve do inverno ainda não derreteu, mas a primavera já se insinua, uma planta muito interessante começa a dominar as paisagens de florestas e pântanos do Canadá e do norte da Europa. Quem visita as regiões mais frias do hemisfério Norte não pode deixar de notar essa planta.
Não é tanto pela sua beleza (de fato, não se pode dizer que seja uma planta bonita), mas duas de suas características são marcantes. O cheiro desagradável que ela exala, que atrai moscas polinizadoras, é o responsável pelos seus nomes científico (Symplocarpus foetidus) e popular (repolho-de-gambá). Mas é a forma como ela se mostra em um terreno dominado pela neve que a torna tão especial. A planta forma uma pequena poça de água ao seu redor, criada pelo derretimento da neve. O calor necessário para o derretimento não vem do sol. Todo o campo ao redor dos repolhos-de-gambá segue escondido, às vezes soterrado sob uma grossa camada de neve. O que permite o derretimento exatamente em volta das flores da Symplocarpus foetidus é o calor gerado pela própria planta.
O repolho-de-gambá é uma das poucas espécies do reino vegetal que têm a capacidade de gerar calor – um fenômeno conhecido como termogênese. Plantas termogênicas são encontradas em uma variedade de famílias, mas a Araceae em particular contém muitas dessas espécies.
O repolho-de-gambá, o arum-de-cavalo-morto (ou arum-comedor-de-mosca Helicodiceros muscivorus), o inhame-elefante (Amorphophallus paeoniifolius) e a banana-de-macaco (Thaumatophyllum bipinnatifidum) são alguns exemplos de plantas termogênicas pertencentes à essa família.
Essas plantas podem gerar quantidades significativas de calor comparáveis aos mamíferos, e sua taxa de produção de calor aumenta à medida que o ambiente fica mais frio. Os repolhos-de-gambá, por exemplo, mantêm a temperatura da flor 9 °C mais alta quando a temperatura do ar estava em 15 °C. Quando a temperatura do ar caiu para -15 °C, a flor consegue se manter a 15 °C ou 30 °C acima da temperatura do ar.
O conhecimento de plantas que geram calor remonta a mais de 200 anos, mas só recentemente os pesquisadores começaram a desvendar a bioquímica por trás disso. Sabe-se que o calor é gerado nas mitocôndrias, como resultado secundário da respiração celular, embora o mecanismo detalhado ainda seja pouco compreendido. Aparentemente é um processo similar ao que acontece com animais que hibernam, como os ursos, que são capazes de gerar calor em suas mitocôndrias durante o inverno, consumindo as reservas de energia que acumularam durante o verão.
Os biólogos acreditam que as plantas termogênicas geram calor para auxiliar na polinização. O calor torna a fragrância da flor mais volátil, o que ajuda o odor a se espalhar mais amplamente para que os insetos polinizadores possam encontrá-la de longe. Além disso, ao abrir espaço para que a flor apareça em um cenário onde a grande maioria delas está soterrada pela neve, o calor traz uma grande vantagem ecológica para essas plantas. Apesar das vantagens que esse método de atrair polinizadores possui, existem poucos exemplos de plantas termogênicas. Elas são muito incomuns no nosso clima tropical, mas quem tiver a oportunidade de visitar campos nevados pode procurar as flores se insinuando em buraquinhos na neve. Se o cheiro desagradável te permitir uma aproximação, não deixe de encostar a mão e sentir o calor gerado por essas plantas tão curiosas.
O ESPECIALISTA
LUIZ MORS CABRAL é biomédico com pós-doutorado na Bélgica e professor na Universidade Federal Fluminense, onde faz pesquisas para identificar os genes envolvidos no desenvolvimento vegetal. Também realiza projetos de divulgação científica sobre a domesticação das plantas, sempre usando uma linguagem cativante.