Um fenômeno extraordinário acontece à nossa volta, a fotossíntese. Entenda por que ela é a responsável pela vida no planeta
TEXTO: Luiz Mors Cabral
A fotossíntese é a via metabólica mais interessante. Digo isso não apenas por preferência pessoal. De fato, considero a fotossíntese o evento mais bonito com o qual eu já tive contato.
Mas além disso, ela possui algo que nenhum outro mecanismo biológico consegue alcançar: nela, energia sob a forma de uma partícula (o fóton) é convertida em energia química (açúcares). Nenhuma outra via metabólica apresenta uma conversão no tipo de energia. Os impactos dessa conversão são inúmeros e profundos.
Em última análise, é a fotossíntese que permite a existência de vida no planeta Terra, ao converter a energia do sol em alimento. Apesar disso, ela é amplamente desconhecida, e em certo sentido até ignorada nas escolas e universidades. Um curso básico de bioquímica reserva pouquíssimo espaço para essa via metabólica tão importante, e não é incomum que seu estudo esteja completamente ausente nos cursos voltados para a saúde. Pela sua importância, ela deveria receber muito mais atenção.
A descoberta da fotossíntese é creditada ao cientista holandês Jan Ingenhousz (1730 – 1799). Em 1779 ele descobriu que plantas aquáticas, na presença de luz, emitem bolhas de suas áreas verdes, enquanto na sombra essas bolhas param. Seus experimentos foram os primeiros a mostrar que a luz é essencial para a fotossíntese. Apesar da fama, Ingenhousz deveria dividir os méritos com outros nomes.
Sabemos que as bolhas observadas por Ingenhousz são o gás oxigênio, e devemos isso ao padre Joseph Priestley (1733 – 1804). Priestley disputa com Lavoisier a primazia da descoberta do próprio elemento químico oxigênio, uma disputa feroz que divide cientistas e historiadores da ciência até hoje, e na qual não gostaria de me meter. O fato é que Priestley colocou uma planta de hortelã em um recipiente fechado com uma vela acesa. A chama da vela consumiu todo o oxigênio e logo se apagou.
Os antigos pensavam que a planta crescia retirando material da terra. Por volta de 1600, Jan Baptist van Helmont pesou um vaso e plantou um salgueiro. Cinco anos depois o salgueiro pesava 74 kg a mais e a terra estava com o mesmo peso. Ou seja, os 74 kg a mais vieram do ar, do CO2 que as plantas capturaram da atmosfera e converteram em açúcares pela fotossíntese.
Após 27 dias, valendo-se de uma engenhoca, Priestley conseguiu acender novamente a vela sem abrir o recipiente, e, portanto, sem renovar o ar preso ali. Isso mostrou que as plantas produzem um gás que permite que os combustíveis queimem (e que sabemos ser o gás oxigênio). Mas o verdadeiro pioneiro no estudo da fotossíntese foi Jan Baptist van Helmont (1580 – 1644), um médico e alquimista belga. Em um experimento muito simples, ele descobriu parcialmente o processo de fotossíntese.
Durante exatamente cinco anos ele cultivou um salgueiro em uma quantidade de solo previamente pesada. Ao final desse tempo ele descobriu que o salgueiro tinha aumentado seu peso em cerca de 74 kg desde o início do experimento. Como o peso do solo praticamente não mudou, Van Helmont concluiu que o crescimento das plantas não poderia ser creditado apenas aos minerais do solo. Ele pensou que o material vegetal extra tinha vindo apenas da água. Hoje sabemos que os 74 kg a mais que ele identificou no salgueiro vêm do ar, do CO2 que as plantas capturam da atmosfera e convertem em açúcares. Seu experimento desmontou a teoria anterior dos gregos antigos, que já durava séculos, de que as plantas ganhavam massa absorvendo minerais do solo. Van Helmont foi a primeira pessoa a testar essa ideia e a achar incorreta.
Como toda grande descoberta científica, a fotossíntese foi o resultado de várias cabeças pensando sobre um fenômeno. Trago a fotossíntese para essa coluna na esperança de fazer um pouco de justiça à essa via tão ignorada. Acredito que, ao menos entre os leitores da Revista Natureza, a fotossíntese seja um sucesso!
O ESPECIALISTA
LUIZ MORS CABRAL é biomédico com pós-doutorado na Bélgica e professor na Universidade Federal Fluminense, onde faz pesquisas para identificar os genes envolvidos no desenvolvimento vegetal. Também realiza projetos de divulgação científica sobre a domesticação das plantas, sempre usando uma linguagem cativante.